Essa entrevista foi concedida por mim à jornalista Marta Alencar, da Revista Cidade Verde, em março de 2016.
Transcrevo na íntegra, afim de esclarecer alguns pontos desa intervenção equivocada que necessita, de medidas urgentes de alteração projetual, a fim de não descaracterizar o edifício- considerado um das dez mais significativas obras da década de 70 no Brasil.
Alcilia Afonso.Março de 2016
Fotografia: Alcília Afonso. The. 2013
1 - Quando o prédio foi
construído?
O prédio do Fórum Judiciário de
Teresina foi construído na década de 70, na administração do Governador Alberto
Tavares Silva, havendo sido inaugurado no dia 13 de março de 1975.
Foi projetado pelo arquiteto carioca Acácio Gil Borsoi, que trabalhou em
Recife, havendo exercido ali, uma profícua produção acadêmica e como
profissional liberal, havendo projetado obras importantes em várias cidades
brasileiras, principalmente nordestinas.
Em depoimento dado , Borsoi
disse que :
“O projeto que mais me emociona,
ainda, é o Fórum de Teresina, no Piauí, ele foi todo desenhado a mão, cada
peça, cada detalhe, feito uma montagem, como sistema de ventilação e iluminação
natural. É sem duvida, um belo exemplo de arquitetura bioclimática.”
Fotografia: Alcília Afonso. The. 2013
2.E qual a relevância da obra para a
arquitetura?
Além de ser um bom exemplar da
arquitetura bioclimática, o edifício vem a ser uma das mais importante obra
brutalista de Teresina, devido às suas soluções projetuais e construtivas.
Foi concebido como " um
marco inscrito no tecido geográfico, paisagístico e cultural da região",
segundo colocou o arquiteto e professor da UFPE, e filho do arquiteto Acácio
Borsoi- Marco Antonio Borsoi , que complementa: " Nele, os
artifícios arquitetônicos do rigor geométrico da composição, traçados
reguladores, proporção, ritmo, escala e sentido monumental
reagem,dialeticamente, coma natureza livre e informal a sua volta."
3. É possível ressaltar as
características peculiares do prédio?
Fotografia: Alcília Afonso. The. 2013
Arquitetura e estrutura foram
projetados dialogando constantemente , tanto que a planta livre e modulada foi
gerada partindo de uma estrutura independente em concreto aparente, que permite
uma flexibilidade no layout dos espaços internos.
A estrutura sistemática, modulada,
que adotou o uso do concreto aparente em pilares e vigas, é um dos traços
marcantes desta edificação, que explorou o uso de materiais como o tijolo, a
pedra, a madeira, em seus estados naturais, caracterizando a adoção do estilo
brutalista em seu partido arquitetônico.
Fotografia: Alcília Afonso. The. 2013
Fotografia: Alcília Afonso. The. 2013
A obra se caracteriza por uma
transparência espacial, na qual os espaços externos e internos interagem entre
si, através dos grandes vãos vazados, que além de permitirem a integração
espacial, possibilitam a ventilação constante do ar, tornando o edifício, um
exemplar de arquitetura bioclimática na cidade, que é possuidora de altas
temperaturas. Sobre a solução escreveu Marco Antonio Borsoi:
" Seu grande pórtico
vazado, que funciona como um alpendre, um lugar de encontro, de circulação e de
acesso aos ambientes protegidos de sol e da chuva; suas longas lâminas
verticais, dão transparência, variação de sombra, relevo e informalidade
canalizando o vento. Sua fina coberta plana, coroamento solto no ar, fazem
deste edifício sem porta nem entrada, uma imensa árvore construída pelo homem."
Fotografia: Alcília Afonso. The. 2013
Fotografia: Alcília Afonso. The. 2013
3. Qual a relevância
do trabalho do arquiteto Acácio Gil Borsoi para o Piauí?
Quanto à relevância da obra de Borsoi
desenvolvida em Teresina, observa-se a estreita relação entre arquitetura e
engenharia, sendo esta, um verdadeiro laboratório experimental de sistema e
tecnologia construtivas do concreto armado, em sua forma aparente. Utilizando
este material em sua execução, tirando partido volumétrico das formas
estruturais. A plasticidade dessa produção se caracterizou pelo uso do concreto,
em pilares, pórticos, em grandes lajes, que marcam o cenário do local na
qual a mesma está inserida.
Fotografia: Alcília Afonso. The. 2013
A solução bioclimática para este
edifício, é um outro ponto fundamental na arquitetura produzida por
Borsoi no Piauí. O Estado que possui altas temperaturas e uma alta taxa de
insolação, requer soluções bioclimáticas para a sua produção arquitetônica, e
observou-se que este edifícios apresenta ricas soluções climáticas,
resultando em um bom conforto térmico.
É inquestionável o
valor arquitetônico dessa produção, e medidas preservacionistas devem ser
tomadas urgentemente, a fim de proteger este acervo brutalista estadual, que a
qualquer momento, pode estar sujeito à descaracterizações ou mesmo, demolições.
Fotografia: Alcília Afonso. The. 2013
4 - Quando a senhor soube da
pretensão do Tribunal de Justiça Federal em construir um anexo ao prédio?
Soube da notícia através de amigos
arquitetos, que comentaram comigo o fato, e através da imprensa que noticiou o
fato, deixando-me preocupada com a proposta que seria desenvolvida para o
anexo.
Acrescentar áreas
é possível sim, desde que, a intervenção respeite ao máximo o prédio
existente e se relacione com o mesmo,de forma silenciosa e respeitosa, não
o agredindo volumetricamente, e dialogando com os elementos construtivos
e paisagísticos da obra e de seu entorno.
Fotografia: Alcília Afonso. The. 2013
5- Como foi possível e que órgãos
permitiram a aprovação da construção desse anexo?
O projeto desse anexo deveria ter
sido contratado para ser desenvolvido por especialista na área de intervenção
patrimonial, ou mesmo, que tivesse havido uma consultoria técnica para dar um
assessoramento aos arquitetos que o desenvolveram, a fim de
esclarecer o valor da obra e de que forma tal anexo, fosse concebido.
Quanto à permissão por órgãos públicos,
eu não posso afirmar nada sobre o trâmite, pois o que eu sei é através de
notícias de terceiros- que dizem que o processo foi meio forçado para ser
aprovado, sem passar por pareceres de instituições de preservação, como o
IPHAN, FUNDAC e Departamento de Patrimônio cultural municipal.
6- Quais as providências que foram
tomadas, depois de denúncias por parte da família Borsoi, CAU e outros
especialistas sobre a descaracterização que a estrutura do prédio teria com a
construção desse anexo?
Várias providências estão sendo
tomadas por pesquisadores, arquitetos que se preocupam com a preservação da
nossa memória arquitetônica, bem como, e especialmente pelos
órgãos competentes, como o CAU e a própria família do arquiteto,
tratando de frear essa nova obra, que infelizmente, necessita se ser novamente
planejada e projetada a fim de evitar a perda desse patrimônio.
Cada ator esta fazendo a sua parte e
tomando as suas possíveis e cabíveis medidas.
7 - O tombamento do prédio por parte
do IPHAN seria uma alternativa mais que viável para embargar essa obra? A
senhora tem conhecimento de como está o andamento desse processo de tombamento?
E a relevância dele?
Nem sempre é necessário tombar para
se preservar, mas pelo que vemos no dia a dia, com a falta
de sensibilidade e de conhecimento do valor
dos edifícios que compõem as paisagens de nossas cidades,
somos obrigados a usar desse mecanismo para poder proteger os nossos
bens culturais.
Devido ao valor da obra, acredito que
caberia ao Iphan proteger a mesma e pelo que sei, o processo de solicitação de
tombamento já se encontra no Iphan, em Brasília.
8. A senhora teve a oportunidade de
ver o projeto do anexo por parte dos engenheiros envolvidos na obra?
Não, nunca vi o projeto em sua
concepção. O que eu soube foi da intenção em se fazer, e alguns 3ds que me
mostraram rapidamente, expondo algumas propostas que não tinha, nenhuma relação
com o edifício.
Nessa mesma época, imediatamente,
como arquiteta, professora e pesquisadora da modernidade arquitetônica,
solicitei à Fundac o tombamento do edifício a fim de protegê-lo
de descaracterizações, mas infelizmente, os trâmites em órgãos públicos
brasileiros são lentos e somente agilizados quando há interesse mútuo entre os
distintos poderes.
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