29.3.16

Eu não esqueci, e nem quero esquecer! Fórum Judiciário de Teresina: entrevista e discussão sobre a intervenção de um anexo e descaracterização da obra.

Essa entrevista foi concedida por mim à jornalista Marta Alencar, da Revista Cidade Verde, em março de 2016.
Transcrevo na íntegra, afim de esclarecer alguns pontos desa intervenção equivocada que necessita, de medidas urgentes de alteração projetual, a fim de não descaracterizar o edifício- considerado um das dez mais significativas obras da década de 70 no Brasil.
                                             Alcilia Afonso.Março de 2016
                           Fotografia: Alcília Afonso. The. 2013
1 - Quando o prédio foi construído? 
O prédio do Fórum Judiciário de Teresina foi construído na década de 70, na administração do Governador Alberto Tavares Silva, havendo sido inaugurado no dia 13 de março de 1975. Foi projetado pelo arquiteto carioca Acácio Gil Borsoi, que trabalhou em Recife, havendo exercido ali, uma profícua produção acadêmica e como profissional liberal, havendo projetado obras importantes em várias cidades brasileiras,  principalmente nordestinas.

Em depoimento dado , Borsoi  disse que :
 “O projeto que mais me emociona, ainda, é o Fórum de Teresina, no Piauí, ele foi todo desenhado a mão, cada peça, cada detalhe, feito uma montagem, como sistema de ventilação e iluminação natural. É sem duvida, um belo exemplo de arquitetura bioclimática.”
                               Fotografia: Alcília Afonso. The. 2013
2.E qual a relevância da obra para a arquitetura?

Além de ser um bom exemplar da arquitetura bioclimática, o edifício vem a ser uma das mais importante obra brutalista de Teresina, devido às suas soluções projetuais e construtivas.
Foi concebido como " um marco inscrito no tecido geográfico, paisagístico e cultural da região", segundo colocou o arquiteto e professor da UFPE, e filho do arquiteto Acácio Borsoi- Marco Antonio Borsoi , que complementa:  " Nele, os artifícios arquitetônicos do rigor geométrico da composição, traçados reguladores, proporção, ritmo, escala e sentido monumental reagem,dialeticamente, coma natureza livre e informal a sua volta."

3. É possível ressaltar as características peculiares do prédio?
                              Fotografia: Alcília Afonso. The. 2013
Arquitetura e estrutura foram  projetados dialogando constantemente , tanto que a planta livre e modulada foi gerada partindo de uma estrutura independente em concreto aparente, que permite uma flexibilidade no layout dos espaços internos.
A estrutura sistemática, modulada, que adotou o uso do concreto aparente em pilares e vigas, é um dos traços marcantes desta edificação, que explorou o uso de materiais como o tijolo, a pedra, a madeira, em seus estados naturais, caracterizando a adoção do estilo brutalista em seu partido arquitetônico.
  Fotografia: Alcília Afonso. The. 2013

                                   Fotografia: Alcília Afonso. The. 2013
A obra se caracteriza por uma transparência espacial, na qual os espaços externos e internos interagem entre si, através dos grandes vãos vazados, que além de permitirem a integração espacial, possibilitam a ventilação constante do ar, tornando o edifício, um exemplar de arquitetura bioclimática na cidade, que é possuidora de altas temperaturas. Sobre a solução escreveu Marco Antonio Borsoi:
Seu grande pórtico vazado, que funciona como um alpendre, um lugar de encontro, de circulação e de acesso aos ambientes protegidos  de sol e da chuva; suas longas lâminas verticais, dão transparência, variação de sombra, relevo e informalidade canalizando o vento. Sua fina coberta plana, coroamento solto no ar, fazem deste edifício sem porta nem entrada, uma imensa árvore construída pelo homem." 

  Fotografia: Alcília Afonso. The. 2013

                                Fotografia: Alcília Afonso. The. 2013
3. Qual a relevância do trabalho do arquiteto Acácio Gil Borsoi para o Piauí?
Quanto à relevância da obra de Borsoi desenvolvida em Teresina, observa-se a estreita relação entre arquitetura e engenharia, sendo esta, um verdadeiro laboratório experimental de sistema e tecnologia construtivas do concreto armado, em sua forma aparente. Utilizando este material em sua execução, tirando partido volumétrico das formas estruturais. A plasticidade dessa produção se caracterizou pelo uso do concreto, em pilares, pórticos, em grandes lajes,  que marcam o cenário do local na qual a mesma está inserida.
                            Fotografia: Alcília Afonso. The. 2013
A solução bioclimática para este edifício,  é um outro ponto fundamental na arquitetura produzida por Borsoi no Piauí. O Estado que possui altas temperaturas e uma alta taxa de insolação, requer soluções bioclimáticas para a sua produção arquitetônica, e observou-se que  este edifícios apresenta ricas soluções climáticas, resultando em  um bom conforto térmico.
É inquestionável o valor arquitetônico dessa produção, e medidas preservacionistas devem ser tomadas urgentemente, a fim de proteger este acervo brutalista estadual, que a qualquer momento, pode estar sujeito à descaracterizações ou mesmo, demolições.
                                Fotografia: Alcília Afonso. The. 2013
4 - Quando a senhor soube da pretensão do Tribunal de Justiça Federal em construir um anexo ao prédio?

Soube da notícia através de amigos arquitetos, que comentaram comigo o fato, e através da imprensa que noticiou o fato, deixando-me preocupada com a proposta que seria desenvolvida para o anexo.
Acrescentar áreas é possível sim, desde que, a intervenção respeite ao máximo o prédio existente e se relacione com o mesmo,de forma silenciosa e respeitosa, não o agredindo volumetricamente, e dialogando com os elementos construtivos e paisagísticos da obra e de seu entorno.
                              Fotografia: Alcília Afonso. The. 2013

5- Como foi possível e que órgãos permitiram a aprovação da construção desse anexo?

O projeto desse anexo deveria ter sido contratado para ser desenvolvido por especialista na área de intervenção patrimonial, ou mesmo, que tivesse havido uma consultoria técnica para dar um assessoramento aos arquitetos que o desenvolveram, a fim de esclarecer o valor da obra e de que forma tal anexo, fosse concebido.

Quanto à permissão por órgãos públicos, eu não posso afirmar nada sobre o trâmite, pois o que eu sei é através de notícias de terceiros- que dizem que o processo foi meio forçado para ser aprovado, sem passar por pareceres de instituições de preservação, como o IPHAN, FUNDAC e Departamento de Patrimônio cultural municipal.

6- Quais as providências que foram tomadas, depois de denúncias por parte da família Borsoi, CAU e outros especialistas sobre a descaracterização que a estrutura do prédio teria com a construção desse anexo?

Várias providências estão sendo tomadas por pesquisadores, arquitetos que se preocupam com a preservação da nossa memória arquitetônica, bem como, e especialmente pelos órgãos competentes, como o CAU e a própria família do arquiteto, tratando de frear essa nova obra, que infelizmente, necessita se ser novamente planejada e projetada a fim de evitar a perda desse patrimônio.
Cada ator esta fazendo a sua parte e tomando as suas possíveis e cabíveis medidas.

7 - O tombamento do prédio por parte do IPHAN seria uma alternativa mais que viável para embargar essa obra? A senhora tem conhecimento de como está o andamento desse processo de tombamento? E a relevância dele?

Nem sempre é necessário tombar para se preservar, mas pelo que vemos no dia a dia, com a falta de sensibilidade e de  conhecimento do valor dos edifícios que compõem as paisagens de nossas cidades, somos obrigados a usar desse mecanismo para poder proteger os nossos bens culturais.

Devido ao valor da obra, acredito que caberia ao Iphan proteger a mesma e pelo que sei, o processo de solicitação de tombamento já se encontra no Iphan, em Brasília.

8. A senhora teve a oportunidade de ver o projeto do anexo por parte dos engenheiros envolvidos na obra?

Não, nunca vi o projeto em sua concepção. O que eu soube foi da intenção em se fazer, e alguns 3ds que me mostraram rapidamente, expondo algumas propostas que não tinha, nenhuma relação com o edifício.

Nessa mesma época, imediatamente, como arquiteta, professora e pesquisadora da modernidade arquitetônica, solicitei à Fundac o tombamento do edifício a fim de protegê-lo de descaracterizações, mas infelizmente, os trâmites em órgãos públicos brasileiros são lentos e somente agilizados quando há interesse mútuo entre os distintos poderes.


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